Conjuntura Nacional e a busca por transformações, Helder Oliveira

Muitas nuances permeiam o processo da conjuntura brasileira e precisam nos levar a importantes reflexões. Primeiro da estratégia: parece claro que a única saída real, do ponto de vista da luta de classes, é apostar no peso social da mobilização de massas organizadas. As duas greves gerais, principalmente a do dia 28 de abril – 100 anos após a primeira greve geral no Brasil e, não por acaso, ano do centenário da revolução russa; aliado as incriveís mobilizações das mulheres no dia 08 de março, demonstraram de forma material que as massas em movimento tem real poder de influência social. Foram os tempos mais difíceis do Governo Temer, quando o “Fora Temer” deixou de ser apenas uma agitação e se tornou possibilidade concreta.

No andar de cima, confusão e debilidade. A Operação Lava Jato, e digo isso sem nenhuma confiança na própria ou na justiça burguesa, escancarava as relações asquerosas de corrupção que envolve grandes empresários e políticos de todas grandes legendas partidárias, que desviam infindáveis bilhões de reais de dinheiro público. Sangrando o país financeiramente, utilizam o discurso da crise econômica, que é real e que eles próprios também são agentes, para castigar cada vez mais o povo brasileiro com duras retiradas de direitos. Neste cenário surge um empresário corrupto denunciando graves esquemas de corrupção no andar mais alto do poder, com ordenamento direto do cargo mais importante do país, envolvendo o próprio – débil – Presidente. Resgato estes fatos que todos conhecem para buscar a reflexão de como o regime burguês se sustenta na medida em que vive uma crise sem precedentes.

Há um desgaste importante do regime político burguês, criando indefinição de horizonte político. Neste cenário, os agentes atuam de acordo com suas perspectivas. De um lado, a burguesia buscando garantir seus lucros, de outro os agentes políticos comprometidos com o regime que buscam salvar e com seus próprios privilégios. Há um terceiro lado, o povo, que é o mais atingido e atacado por toda crise econômica mundial, criando uma situação drástica, de retiradas de direitos sociais, de espoliação do trabalho, de aumento exponencial da violência (que ataca principalmente a juventude negra), e inclusive de aumento da taxa de suicídios – um estudo realizado por comissão do Senado Federal, em 2017, revela que a cada 45 minutos uma pessoa se suicida no Brasil. A taxa de suicídios entre jovens aumentou em 10% nos últimos 10 anos, fenômeno que Émile Durkheim definiu como Suicídio Anômico, quando taxas de suicídio crescem a partir de grandes transformações sociais, como a crise econômica. Em que pese todas diferenças entre a metodologia de análise a qual me filio, o materialismo histórico, com o positivismo durkheimiano, tenho pleno acordo com o mesmo quando trata o suicídio como fator social, estrutural, e não apenas do âmbito da psiquê.

Portanto, há relação lógica entre a situação estrutural e o comportamento social. Na medida em que o regime apenas ataca e aprofunda as contradições sociais, perde credibilidade e apoio popular, mas isso não se apresenta de forma mecânica ou linear, nem mesmo de forma clara, pronta e acabada. O regime se enfraquece, suas instituições idem, mas seguem tendo o domínio formal burocrático para atuar com mais força que o “lado mais fraco”. O problema sociológico colocado é que o que parece ser o mais fraco, não é de fato e se dilui no acirramento do debate político geralmente a partir do senso comum, terreno próprio pro fortalecimento de bandeiras conservadoras e/ou retrógradas. Assim, a contradição a qual deve atuar os movimentos organizados de resistências, ao que me parece, reside no fato recém apresentado, cujo única saída é a organização, mobilização e empoderamento popular. Lógico que nesse campo, dos movimentos, também não há amplos consensos, e a relação quase dependente das principais estruturas organizativas de classe com os governos petistas dos últimos anos parece ter resultado em relação subserviente entre as organizações de classe e os aparatos partidários. Neste cenário Temer se fortalece. Não por medidas de seu governo ilegítimo, nem mesmo por ser uma figura que consiga unir os setores políticos, mesmo da direita. Nada disso existe. O único tentáculo de Temer, e do regime, no poder é o próprio cancer do poder, a corrupção e os privilégios, e o envolvimento da maioria dos agentes políticos formais com uma ou ambas as coisas.

Os aparatos da superestrutura, incluso algumas centrais sindicais, buscaram reordenar a situação da luta de classes, que vinha em ofensiva popular, e, por cima, amorteceram o peso das mobilizações, enquanto a burguesia e os agentes políticos tratavam de controlar a situação primeiro econômica, com a aprovação das reformas importantes pro capital sem gerar grandes mobilizações sociais e, segundo política, tratando de manter Temer a qualquer custo enquanto costuram uma saída por cima e sem mais desgastes ao carcomido regime político. Neste cenário, vem a segunda questão, da direção política: CUT, UGT e Força Sindical representam mais de 50% dos trabalhadores sindicalizados, mais de dez milhões de pessoas. UGT e Força Sindical, na prática, já tinham se retirado da construção da segunda greve geral e a CUT precisou ser mais hábil para isso, visto que precisa responder a uma base mais orgânica e forjada nas lutas sociais. O ponto importante é que ainda há brasas da grande chama.

No terreno da luta de classes, precisamos superar o debate meramente eleitoral. O modelo de eleições, ainda que importante, não é o principal momento de agitação e propaganda. O processo eleitoral marginaliza opções de esquerda, renega o debate democrático e se estabelece sob o poder financeiro e fisiológico. Neste sentido, a construção de uma alternativa de poder precisa emergir das lutas sociais, do cotidiano da vida material do povo pobre e oprimido. Assim também o é com o programa a ser apresentado. Tenho escutado muitas pessoas, militantes ou não, apontarem que a esquerda não tem programa pro Brasil. Em certo ponto é verdade, mas também é verdade que um programa de transformação radical jamais partirá de um punhado de intelectuais, que vivem longe da realidade popular e/ou longe da arena da luta política. Um programa só pode ser empiricamente radical e transformador se conseguir não só responder as demandas sociais, como superá-las, apresentando um novo projeto de sociedade. Porém, isso só será real a partir das lutas políticas, da vida real do povo brasileiro, buscando a igualdade econômica, distribuindo renda, respondendo as diversas formas de opressão, partindo da concepção de tratar a sociedade como sujeito histórico, motor da luta de classes e capaz de transformar sua própria vida.


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