Por Gilson Moura Henrique Júnior

A pandemia do COVID-19, também conhecido como Coronavírus, revela muito mais do que o número crescente de mortes evitáveis nos diversos países do mundo.

Há todo um processo que permite uma análise ecossocialista das causas da relação do mundo capitalista com a natureza e no que isso atinge diretamente a expansão de riscos biológicos para além do calculado a partir da percepção de estarmos em plena emergência climática.

Esta análise conecta Pelotas a Shanghai, o Rio Grande do Sul a Nova York, o Brasil à Itália, China e Estados Unidos. E isso ocorre a partir da perspectiva da ação humana contra a natureza ser trabalhada pelo sistema e pelos Estados a partir de uma lógica posta em xeque quando explode a pandemia em janeiro de 2020.

Em Fevereiro de 2020, o SANEP, serviço de água e gestão de resíduos de Pelotas no Rio Grande do sul, declarou cidade em emergência hídrica e criou uma série de mecanismos de punição a quem usar com excesso a água fornecida pela autarquia. No mesmo período, a polícia militar do estado do Rio Grande do Sul e o IBAMA fizeram uma operação na colônia de pescadores Z3 para recolher material de pesca proibidos dos pescadores.

Ambas as situações contém razões duras e científicas que as justifiquem, o regramento das práticas que se relacionam com a proteção ambiental e o uso de recursos permite logicamente texas de controle de uso de recursos evitando danos ambientais e regulação de como se dá a exploração de recursos como os da pesca. O problema é que em ambos os casos o Estado só aparece como fator de gestão ambiental no limite pesando a mão forte em quem já é atingido pelos problema ambientais e econômicos sem contar com quaisquer ajuda do mesmo Estado.

Estender as medidas de restrição ao uso da água inclui a apropriação das águas utilizadas em piscinas de residências e clubes da elite? Inclui a relação com a irrigação de gramados de residenciais de classe média, classe média alta e classe alta? A lente que percebe crime ambiental no equipamento de pescas de trabalhadores pescadores pobres é a mesma que ignora crimes ambientais de empresas como a Navarini Engenharia, houve operação policial na empresa? A COPELMI teve a operação paralisada durante a pandemia, mesmo mantendo a exploração ainda sem licenciamento aprovado? A resposta é não para todas as perguntas.

E isso se repete quando percebemos que as pessoas, desesperadas pela perda de trabalho durante uma crise sistêmica que junta crise sanitária com crise político-econômica, saem de casa rompendo a recomendação de isolamento social e buscam um meio de vida, assim como os pescadores rompem com a norma ambiental para conseguir comer. 

A solução para esses casos é buscar entender tanto a necessidade de revisão da postura do estado na regulação ambiental como na própria ideia de seu papel na construção ou não de meios de sustentação dos mais pobres e de superação de suas limitações econômicas até o ponto em que o suporte como a renda básica emergencial, que deveria ser universal, deixa de ser necessária.

Retirar a rede dos pescadores pode ser legal e ambientalmente justo, mas é socialmente criminoso se isso não ocorre a partir de uma ação que lhes permita retomar não apenas o custo do que compraram como meios de renda que lhes permita não mais usar equipamentos ilegais para tentar pescar. 

Retirar as pessoas da rua em tempos de pandemia é fundamental, mas não pode ser tratado com o iluminismo a razão impraticável e repleta de impurezas quando os estados e governo federal foram céleres no auxílio a ricos e empresários e mais lento que um cágado com torção no tornozelo quando é para dar suporte ao povo.

A prática do Estado em Pelotas rima com a prática do Estado Brasileiro como um todo quando o presidente da República é um fator a mais de risco para a vida de uma população atingida fortemente por uma crise que nasce a partir do surgimento de uma doença causada por um micro-organismo recém descoberto e que tem todas as tintas de ter nascido a partir da expansão da fronteira de exploração do capital na China.

Wuhan sempre foi uma cidade importante na história da China,mas foi alvo de uma expansão que  expandiu sua população e sua importância econômica para ser a maior e mais importante cidade da China Central e um dos maiores centros econômicos da China atual, a ampliação do número de pessoas e o enorme esforço de alimentação desta população que chega a vinte milhões de pessoas, pode estar pro trás da contaminação em humanos pelo COVID-19. 

Com mais gente para ser alimentada em uma economia em expansão, demografia idem, aliado aos costumes gastronômicos e a liberação de espaços onde micro-organismos desconhecidos viviam em relação com animais silvestres, a possibilidade de surgimento de uma nova cepa de vírus capaz de repetir epidemias como a do surto do H1N1 já era alertada por cientistas chineses há um ano, alerta que encontra eco em universidades de todo o mundo, como as universidades do Texas e a UNIFESP.

As hipóteses levam em conta que o atual COVID-19 é uma evolução de microorganismos que infectavam gado e morcegos, e que ganharam mundo através do costume de consumo de carne de animais selvagens.

A expansão urbana e das fronteiras agrícolas ampliam as áreas de ocupação humana e as possibilidades de descobertas de novos microorganismos, além da ampliação da possibilidade de contágio por humanos, especialmente nas regiões com maior ampliação demográfica.

E isso não ocorre apenas na China, contaminações por Hantavírus no norte do Brasil, Ebola no Congo, são também fruto de uma ampliação de ocupação humana onde antes não havia gente e onde microorganismos viviam em um ciclo biológico que não nos envolvia e quando nos alcançou nos mostrou sua face terrível.

A pandemia, portanto é fruto de uma lógica político-econômica mais que de um vírus e a reação a ela junta as medidas da PM do RS com as dos Estados mundo afora pelas mãos de uma prática sistêmica em que a percepção do problema que  atinge primeiro as vidas dos mais pobres atrasa nas soluções e mesmo quando as põe em prática busca antes a imposição de uma lógica de regramento legal salvamento da economia antes das vidas humanas.

O mesmo sistema que ataca pescadores sem lhes dar meio de sustento, contamina populaçòes pela negligência de uma expansão predatória e atrasa o suporte social e econômico que precisa fornecer para que o isolamento social ocorra sem ser burlado com risco de participar da perda de milhões causadas pelo novo microorganismo.

O pescador que usa rede ilegal é como o trabalhador que burla o isolamento social. ambos buscam sobreviver em um sistema onde o Estado age para puni-los e impedi-los de trabalhar antes de dar-lhe suporte financeiro para que sobrevivam sem risco e cuja política ambiental jamais aparece como parceira de melhores meios de traba;ho de acordo com o regramento, mas aparece com a PM, assim como não pune quem tem piscina, mas pune o trabalhador que lava calçada quando falamos em crise hídrica.

Tanto a crise hídrica como a aceleração das novas pandemias são fruto de um sistema que planeja diariamente a predação ambiental ignorando os riscos que sua expansão causa não só a um meio ambiente que é lido como externo a nós, mas a tudo, à vida em si.

O COVID-19 é como um filho da crise climática e que cobra ao vivo o boleto da expansão de um sistema e de um tipo de lógica político-econômica que põe a vida como um todo, para além dos homens, em risco.

O momento atual inclusive é fundamental para uma rediscussão do papel do Estado, do serviço público e da própria relação do homem com a natureza, o ponto de vista que nos coloca como externos a ela e a própria ideia que centraliza a ciência econômica e a ciência política como porta-vozes de sistemas que entendem recursos como infinitos e política como uma esfera exclusiva da institucionalidade.

Se hoje a população está em posição de finalmente entender a importância do serviço público e da ciência, especialmente sob o ponto de vista da melhoria do clima de defesa do SUS e das Universidades Públicas, também a ciência está na posição de perceber o quanto é fundamental não contar apenas com tragédias para expandir sua relação com o público, elemento já debatido no ramo da História a partir da percepção da necessidade de dialogar mais sua produção  com o todo da população e que também se reflete no aumento de podcasts e publicações de divulgação científica.

A própria ideia da economia em eterno crescimento, com recursos infinitos se choca com a defesa de um tipo de viés da mesma em que o fiscalismo, ajuste fiscal e tratamento do Estado comos e fosse empresa, cia por terra diante da necessidade de expansão do papel do Estado na proteção a cidadãos quando uma pandemia paralisa a economia mundial. Assim como a expansão do Estado amplia a necessidade de vê-lo como elemento de suporte, mas também como participante do risco de seu papel policialesco tornar-se protagonista de um cenário distópico.

E aqui o cenário de tragédia encerra soluções que dialogam fortemente com o conjunto de políticas ecossocialistas defendidos pela esquerda, onde a ampliação do papel do estado na economia se alinha com a ideia de conversão tecnológica e produtiva, planejamento democrático, descentralização política, produtiva e econômica, maior fomento à educação e saúdes públicas, esforço de financiamento na produção científica pública e fortalecimento do peso do público em relação ao estatal.

O pós-crise indica caminhos que podem ser radicalizados não como a anedota liberal trata a radicalidade, mas como produção de mecanismos de transformação do sistema como crise sistêmicas como a atual exigem.

Uma crise econômica, ecológica, sanitária e política envolve todo o sistema de forma a permitir que nossos esforços sejam para superá-lo e construir um novo sistema onde o Estado tenha seu papel,m mas um papel público e não estatal ou burocrático e a economia dialogue com a necessária proteção a uma natureza que nos envolve e não está alheia e externa a nós. Para isso é preciso que o público signifique popular e popular signifique político na acepção mais correta da palavra, a que envolve o esforço coletivo de superação de problemas e de criação de solucṍes.

É preciso canalizar os esforços produtivos coletivos não para a ampliação de riquezas, mas para a divisão de riquezas, esforços políticos públicos e coletivos para a ampliação do poder horizontalizado e cujos processos decisórios sejam amplamente democrático e por sim uma percepção de que a economia e a política devem servir à sociedade e não o inverso.

São ideias revolucionárias que atuam diretamente nas práticas cotidianas da política do PSOL e que podem ser ampliadas com a mobilização popular que hoje percebe seu papel no dia a dia da economia e da política a ponto de saber a necessidade de cada um de nós na redução da crise sanitária.

Taxar as grandes fortunas, reduzir o número de bilionários e a renda básica universal são os primeiros passos para um tipo de política que precisamos para que a crise sistêmica se torne a criação de um sistema novo, porque nada do que vivemos será como antes amanhã.

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