Foto: Diário da Manhã

Os rumos da educação em meio ao coronavírus

Estamos vivendo um momento ímpar na história mundial. A maioria dos países estão enfrentando um processo de isolamento social para tentar minimizar o número de pessoas contagiadas pelo novo Coronavírus. Este vírus é altamente contagioso e tem levado à morte milhares de pessoas, principalmente pela sobrecarga de atendimentos na área da saúde, afetando não só a população em geral, mas também os profissionais da linha de frente. Ainda não há testagem para todos, não há vacina nem remédio para combater a doença. Não é uma simples gripezinha.

Desde que tivemos contato com o vírus aqui no Brasil, muitas reflexões têm surgido, principalmente sobre a defesa dos serviços públicos nas áreas da saúde, educação e assistência social. Os países que não dispõem de saúde pública universal estão com casos cada vez mais elevados de pessoas infectadas. No Brasil, os números crescem e, infelizmente, os governos têm tratado o tema com muita irresponsabilidade. No entanto, a defesa do SUS nunca esteve tão forte como agora e a reivindicação por mais investimentos com a imediata revogação da EC 95 é uma das lutas em evidência.

É importante que possamos fazer uma reflexão sobre como o coronavírus tem afetado o processo educacional e promovido, dentro da nossa sociedade, diversos debates sobre como a educação deve atuar a partir da mudança que o mundo está vivenciando. Temos visto um enorme esforço por parte das instituições de educação pública superior, que sempre trabalharam com compromisso social e neste momento contribuem mais ainda com a colaboração através de pesquisas, equipamentos e projetos nas áreas psicossociais. Para dar um exemplo, a Universidade Federal de Pelotas tem realizado inúmeros projetos, inclusive de testagem da população a nível nacional, que tem nos enchido de orgulho e nos feito reivindicar ainda mais a valorização e investimento nas instituições de ensino públicas.

Uma das medidas de isolamento que foram primeiramente tomadas pelos governos foi a suspensão das atividades escolares. No Brasil, a suspensão das aulas se deu praticamente em todos os estados brasileiros tanto na rede pública quanto na rede particular já no mês de março. Aulas remotas começaram a ser propostas para compensar o período de quarentena. No dia 1º de abril, o governo lançou a Medida Provisória 934/2020 que, diante do estado de calamidade pública e em função do isolamento, permite a diminuição de dias letivos, porém, sem alteração da obrigatoriedade das 800 horas. Somente no dia 17 de abril o Conselho Nacional de Educação lançou consulta pública sobre o tema em questão, com período de menos de uma semana para resposta.

O agravante nessa situação toda é a falta de proatividade do governo em não ter realizado iniciativas importantes e urgentes com relação à educação, o que não espanta, obviamente, pois temos um dos piores ministros que já passaram pelo Ministério da Educação no Brasil. O que temos visto são professores organizando o trabalho pedagógico por sua própria conta, gravando aulas, tentando incentivar os alunos, porém sem qualquer respaldo. As escolas particulares estão, desde o início da quarentena, realizando inúmeras atividades remotas, sem nenhum tipo de fiscalização por parte do governo. Ou seja, a situação está sem direção.

No Rio Grande do Sul, as escolas estaduais estão com as atividades suspensas e, aos professores, foram solicitadas atividades à distância por parte da Secretaria Estadual de Educação. É importante evidenciar que não houve nenhuma formação para isso, não há nenhuma plataforma para que as atividades sejam realizadas, os professores não estão recebendo instruções, nem todos os alunos conseguem acessar os conteúdos propostos. Há, nitidamente, uma proposta que não foi debatida e que não tem levado em consideração questões sociais, econômicas e emocionais que afetam a todos os sujeitos envolvidos no processo educacional.

As chamadas “aulas à distância” são uma realidade que está sendo proposta não só na educação estadual, mas também em escolas particulares. Estas têm tentado reorganizar processos de aprendizagem à distância, porém, sem os parâmetros do que significa essa proposta pedagógica. Há que se diferenciar o que significa uma educação à distância do ensino remoto. E essa diferenciação está causando grandes confusões entre os educadores, alunos e suas famílias.

Também no município de Pelotas, a Secretaria Municipal de Educação não dispõe de um canal de comunicação oficial, nem mesmo sabe-se ao certo quais são as alternativas que estão sendo pensadas para que os professores consigam atuar junto aos alunos. As comunidades escolares estão perdidas em meio à pandemia e não conseguem se ver pertencentes a esse processo de enfrentamento ao coronavírus e de transformação da nossa sociedade. É como se estivesse esperando a volta a uma normalidade que, é notável, não voltará.

Além desses problemas, temos visto que os governos, tanto a nível estadual como municipal, têm aproveitado o momento para demonstrar sua face mais cruel diminuindo a remuneração dos professores com o corte das complementações de carga horária, por exemplo, e, no caso específico do estado, com diminuição de gratificação por trabalho em difícil acesso. Isso traz aos professores mais uma preocupação, como se já não tivessem seus salários parcelados, atrasados e sem reajuste: Qual motivação, respaldo econômico e saúde mental esse profissional terá para auxiliar seu aluno neste momento?

Diante de tamanha complexidade, é importante que possamos repensar o modelo educacional desigual que está sendo escancarado por conta do coronavírus e frear um processo que pode não ter volta. Não podemos achar que o ensino remoto possa substituir a educação presencial. Não podemos imaginar que as aulas que estão sendo transmitidas aos alunos, por mais bem elaboradas, sejam capazes de substituir o objetivo de formar cidadãos críticos e que possam intervir na realidade. Se acharmos que as aulas dadas no momento em que enfrentamos uma pandemia podem ser utilizadas para suprir as 800 horas, estamos colocando ainda mais à margem desse processo todo um número significativo de alunos que não estão com acesso à internet, que estão enfrentando problemas familiares das mais variadas ordens, alunos com deficiência que não estão acessando atendimento especializado e, obviamente, estaremos negando todo o processo traumático que estes alunos e suas famílias enfrentarão ou já estão enfrentando.

É preciso questionar que modelo de educação queremos promover a partir da experiência que estamos vivenciando com o coronavírus e a suspensão das aulas. Muitas pessoas, principalmente pesquisadores da área da epidemiologia, têm ressaltado que o mundo que conhecemos já não é mais o mesmo. A meu ver, ainda estamos muito descrentes desta constatação, apesar de estarmos sentindo que nada mais será igual. Vamos continuar, diante disso tudo, promovendo uma educação conteudista? Vamos seguir acatando determinações verticais? Vamos continuar reproduzindo uma educação que não contemple a todos?

Está na hora de nos mobilizar, de repensar esse modelo e aproveitar para construir, a partir dos problemas vivenciados pela comunidade escolar, uma nova concepção de educação, para que possamos retornar às escolas com a consciência de que a transformação do mundo começa nos espaços em que atuamos e devemos atuar coletivamente. Portanto, é imprescindível que haja uma forte frente de atuação não só das escolas públicas para que o calendário escolar não seja a prioridade, mas que as vidas sejam colocadas em primeiro lugar. Que possamos avaliar esse momento com cuidado e propor um movimento de ruptura com esse sistema que não tem dado conta das inúmeras possibilidades de uma educação baseada na construção coletiva e na solidariedade humana.

Estamos tratando de vidas, de sonhos, de futuro. Jamais devemos nos esquecer disso.

Foto: Diário da Manhã


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