As eleições de 2018 evidenciou o ápice da crise e a polarização da política brasileira atual, foi um momento de grandes discussões políticas, marcado pela campanha difamatória e criminosa via WhatsApp da direita, e de uma tentativa de retomada ao trabalho de base pela esquerda. Se por um lado Bolsonaro saiu vitorioso, por outro a resistência das mulheres, negritude, LGBTs e trabalhadores em torno do Ele Não saiu fortalecida, com atos que totalizaram mais de 4 milhões nas ruas. Se elegemos uma Câmara de Deputados com 47% de renovação, com uma óbvia rejeição a “velha política”, essa legislatura, no entanto, conta com um crescimento da extrema direita – notadamente exemplificada na bancada do PSL que passou de 01 para 52 deputados eleitos. Mas essa renovação também tem a marca do movimento que lidera a resistência, com o aumento da bancada feminina, que passou de 55 para 77 deputadas, dessas 43 exercendo o primeiro mandato. Evidente que essa bancada feminina não é homogênea, e que o conservadorismo também está representado nesses números, mas também foi perceptível uma busca por representação feminina nessas eleições, fruto do debate cotidiano travado pelo movimento feminista. Conforme as estatísticas do segundo turno, nas maiores cidades, a maioria das mulheres votaram contra o Bolsonaro.

O governo de Bolsonaro já acenou que se dedicará a atacar o movimento feminista, liderança do Ele Não e principal inimigo de sua agenda conservadora. Já que o presidente foi eleito em cima da agenda de restrição de direitos via economia, e com caráter reacionário nos costumes. É impossível não perceber a ânsia no ataque a memória de Marielle, grande ícone da resistência feminista, LGBT e antiracista, que deixou um grande legado a esquerda, com sua luta contra as milícias no Rio de Janeiro. Aliás, após as últimas revelações que comprovam a ligação íntima da família bolsonaro com o chamado “escritório do crime”, que tinha como objetivo executar os opositores, fica evidente o motivo desses ataques. Em aproximadamente um mês de governo, já foram anunciadas ações de todo tipo contra as pautas das mulheres, sendo a ministra Damares Alves a grande protagonista desse momento. É notório o interesse por pautas como a criminalização do aborto em todos os casos (incluindo os casos que atualmente são legais, como resultado de violência sexual e em fetos anencéfalos), proibição da educação sexual e de gênero na escola, chegando ao cúmulo da falácia sobre “mamadeira de piroca”, e ódio por qualquer manifestação em defesa dos direitos das mulheres.

Nesse contexto, é preciso organizar a resistência a esse governo em todos os espaços. A unificação da esquerda e dos que lutam contra Bolsonaro passará pelo teste do chamado terceiro turno. As mulheres estão mobilizadas e já deram muitas demonstrações do seu poder nas ruas, com as lutas contra o cunha, contra o fechamento de escolas e contra a reforma da previdência. Foram protagonistas de uma greve internacional, que aqui no Brasil impulsionou uma greve geral histórica em abril de 2017. Não há dúvidas que a luta feminista será uma grande trincheira contra esses ataques. A atuação da oposição na câmara de deputados deve ser conectada com as lutas travadas nas ruas. É necessário que a resistência tenha canais de equalização da sua voz dentro desse espaço, que será de disputa constante. Essa batalha será dura, já que o governo está muito fortalecido com essa nova composição, e é necessário que a chamada unidade também se concretize no real.

A eleição da presidência da câmara de deputados é um assunto pautado desde outubro de 2018, logo após o primeiro turno eleitoral. A eleição está prevista para acontecer hoje, as 18hs, e conta até o momento com 07 nomes para disputa. O bloco governista se articula em torno da reeleição de Rodrigo Maia, sob liderança do Ministro-chefe da Casa Civil, Onix Lorenzoni, com uma coalizão entre a “velha” e a “nova” direita. Rodrigo Maia, por sua vez, tem se comprometido com a agenda do governo, se colocando como um elo de união da base governista. Com a finalidade de consolidar o apoio do PSL, agora uma das maiores bancadas da câmara, prometeu as presidências das Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania, e de Finanças e Tributação, além da vice-presidência da casa. Se confirmando essa configuração, as duas principais comissões serão presididas por esse partido, que tem se mostrado o fiador do programa conservador de Bolsonaro. Essas comissões decidem o que é constitucional e em conformidade com o sistema jurídico, e aprova ou não o encaminhamento a votação no plenário.

O atual presidente conta com apoio já declarado de 15 partidos, demonstrando favoritismo na disputa. A oposição está dividida, e um exemplo da fragilidade da unidade da esquerda, é a posição do PCdoB em apoio a Maia. O PDT foi o primeiro a demonstrar possibilidade de apoio a reeleição, e é notória a hesitação de Ciro Gomes diante do atual governo. O Psol corretamente apresentou o nome de Marcelo Freixo, um dos deputados mais votados do país, referencia dos direitos humanos, e inimigo da família bolsonaro no Rio, com a ideia de fortalecer a oposição e levantar um programa de resistência. É necessário apresentar uma alternativa a candidatura do governo, que seja capaz de dialogar com as ruas e que possa ser referência na reorganização da luta. Nesse sentido, Freixo conta com apoio do PT, PSB e Rede. Será uma candidatura da resistência.

Apoiar Rodrigo Maia nessa conjuntura e sob esses termos, é um ataque a luta das mulheres. A frente da CCJ, o PSL e Bolsonaro terão um trunfo no avanço de seu projeto conservador. A pauta da descriminalização do aborto, por exemplo, será novamente obstruída. A discussão sobre o projeto “Escola sem Partido” terá um reforço a favor do governo. Temas como “Bolsa Estupro” para vítimas de violência sexual, terão um caminho mais fácil. Não existe brecha nenhuma que justifique uma composição com o que há de mais podre da política. Assim, fazemos um chamado ao movimento feminista, as mulheres que lutam, que se constituíram o polo mais dinâmico do Ele Não, a apoiar a candidatura de Marcelo Freixo, e dialogar e pressionar suas representantes eleitas a se somarem nessa luta, declarando voto em Freixo, e fortalecendo a resistência.

Por Roberta Mello, presidenta do PSOL Pelotas.