Ele não pode continuar

Por Gilson Moura Henrique Júnior

Existem responsabilidades inerentes ao mandato histórico da esquerda em qualquer cenário. A primeira é o dever de defesa da democracia a qualquer custo. É o coração de toda a estrutura de pensamento erigida de Marx em diante e que entendia que pela primeira vez haveria mais atores do que os eleitos pela e para uma elite (intelectual, política e econômica) para conduzir os assuntos de estado.

Tá lá em Marx, desde o Manifesto do Partido Comunista, de 1848, a ideia revolucionária de que não havia mais sentido no povo ser conduzido por uma elite e pelos seus aristocratas ou parlamentares ou governadores e que desde sempre a história esteve nas mãos dos trabalhadores e através de sua luta contra as opressões de classe se deram as revoluções e as transformações nas sociedades.

Desde o início Marx recusou as ideias de socialismo que se organizavam não na construção diária de organização da população para enfrentar os desafios políticos de sua libertação, mas nas panaceias lideradas por nobres seres que guiavam os povos como quem pastoreia cabras nas montanhas.

E foi na luta contra as ideias socialistas utópicas e que tutelavam os trabalhadores que o marxismo se ergueu e multiplicou as organizações e estruturas em que o povo através da classe trabalhadora deixava oficialmente de ser um paciente espectador da história a ponto de exigir que esta lhe desse o espaço que erigiu com suas lutas desde a antiguidade, ocupando também nos livros o lugar que lhe pertencia.

As distorções do marxismo que galgaram o poder depois de as Revoluções Russa e Chinesa derrubarem as antigas elites opressoras e que tutelaram as demais ao ponto de descaracterizarem suas transformação e o coração democrático que deveriam carregar consigo forma amplamente denunciadas pelas próprias esquerdas trotskista e anarquista sem o dó que liberais tem em reconhecer seu papel na destruição da democracia sempre que há algum risco de perda de poder do capitalismo sobre a população, seja em Weimar ao abraçarem Hitler, seja na América do Sul quando o bastião liberal estadunidense não piscou em apoiar Pinochet e as ditaduras Brasileira, Argentina, Boliviana e Uruguaia.

Da mesma forma, liberais que qualificam à esquerda de anti democrática não admitem o patrocínio a aventuras autoritárias pelo mundo, seja na Polônia, na Hungria de Orban, na Turquia de Erdogan ou no Brasil de Bolsonaro, em que escolhas ditas difíceis e organizadas com base em um anticomunismo feroz agora fantasiado em antipetismo senil trouxe ao país a subsombra desumana de linchadores detendo agora o poder.

E permanecem, munidos da falácia que não se consegue manter sem corar que o Partido dos Trabalhadores (PT), e seus enormes erros, foi o mais corrupto da longa história de corrupção aceita como normal pelas elites publicadoras dos jornais de sempre.

Se podia listar as corrupções que a elite paulistana jamais achou por bem publicar no Estadão durante a Primeira República ou a tolerância com a corrupção da ditadura civil-militar de 1964, que permaneceu oculta mesmo depois que ela caiu, ou mesmo sobre a compra de votos para permitir a reeleição de Fernando Henrique Cardoso, as estranhas histórias, e enormes valores, das privatizações comandadas por FHC e seus Economical Boys Particulares (Fraga, Lara, Franco, Berros) ou sobre como a fraternal fiscalização que jornais como O Globo teve com anos de desgoverno do MDB (outrora PMDB) jamais detectou o que partidos como o PSOL acusavam desde que nasceram: uma máquina de desvio de dinheiro público.

Mas desviaríamos do tema do artigo: a necessidade que a esquerda tem de defender a democracia, à revelia da proverbial desonestidade intelectual de quem tolera a Arábia Saudita existir em nome dos interesses estadunidenses enquanto ataca a esquerda de hoje pela existência de Stálin.

E por que hoje devemos agir, agora, para a defesa da democracia? Porque as escolhas difíceis de liberais e cúmplices do neoliberalismo como política econômica central (DEM e PSDB) nos levaram a uma situação onde o ocupante do palácio do Planalto abusa e vilipendia do cadáver de nossa frágil democracia cotidianamente e não apenas atacando a liberdade de imprensa, mas também a própria estrutura do Estado Democrático de Direito, que mesmo sendo não exatamente o mais democrático e menos ainda o de profundos direitos, foi o melhor estado que conseguimos construir no Brasil desde que esta bagaça foi declarada independente.

Enquanto Jair Bolsonaro tripudia dos poderes e esmaga movimentos e minorias a cada dia com novos ataques, tendo sido notada sua violência verbal e de uso flagrante do aparato do estado na perseguição de adversários apenas quando jornalistas brancas das elites das redações foram vítimas disso, o silêncio obsequioso da elite liberal organizada politicamente e presente nas mídias, por vezes interrompido por lamentos omissos, se torna um eloquente e ensurdecedor manifesto que nos exige uma ação prática.

Ele não pode continuar! E esse grito exige um conjunto de construções de organização de rua que pressione o congresso que tome em suas mãos o necessário aceite de destituição de Jair Bolsonaro.

E por quê? Porque o conjunto de crimes de responsabilidade não só permitem como exigem ações que interrompam o projeto sobre o qual cada uma das violações cometidas pelo presidente no exercício do mandato é parte de um organizado desmonte do Estado Democrático de Direito no rumo de uma ditadura comandada por ele.

Dos ataques cotidianos às minorias, passando pela omissão diante das queimadas na Amazônia (com mais do que indícios de que suas declarações foram pelo menos estímulo a seu início, chegando aos achaques misóginos às jornalistas, homofóbicos a outros e galgando os píncaros dos crimes de responsabilidade convocando pessoalmente e usando a máquina do governo para chamar apoiadores a uma manifestação cujo objetivo é fechar o congresso e o STF, não faltam motivos para que Jair Bolsonaro seja deposto.

Agravando suas atitudes e crimes ainda temos seu governo ousando em entrevista coletiva da equipe econômica exigir ações do congresso enquanto ele corta recursos da saúde em plena pandemia do Corona Vírus, em que o Ministro da Saúde alerta que a pandemia tende a causar colapso no sistema de saúde.

E nem precisamos falar que a economia sob Bolsonaro é um caos que nos expõe à extrema vulnerabilidade com a crise econômica mundial causada pelo Corona Virus e agravada pela guerra de preços de petróleo entre Rússia e Arábia Saudita.

Não há mais espaço para adiar o “Fora Bolsonaro!”, nem há mais tempo pra esperar um enfraquecimento dele para em tese vencer uma eleição que ele já antecipadamente põe sob suspeita para assanhar mais e mais o golpismo que lhe manteria no poder.

É dever da esquerda, em nome da democracia, obliterar o errôneo cálculo que mede em eleições o futuro de nossa própria existência ou pelo menos do Estado democrático de Direito que por pior que seja ainda é o melhor caminho para que construamos a superação de um sistema que nos esfola e nos destrói junto como planeta.

A democracia pela qual lutamos desde os primórdios das Revoluções Burguesas e sobre a qual estruturamos nossas conquistas de direitos é a razão principal de termos construído sovietes horizontais, uma Comuna de Paris de companheiros e companheiras radicais e transformadoras e que descemos de Sierra Maestra para depor o sanguinário Batista.

E é em nome dela que precisamos avançar e construir a massa crítica necessária para que Bolsonaro e o projeto da extrema-direita caia em vez de esperar que ela brote como doada por uma mágica magnânima.

É hora de gritarmos “Fora Bolsonaro!” a plenos pulmões, porque ele não pode continuar e é nosso papel como comunistas, socialistas e como esquerda, em nome de um socialismo com liberdade, transformarmos este grito em prática.


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