Necessidades e possibilidades para enfrentar o coronavírus (e o capitalismo)

A pandemia do coronavírus (Covid-19), a maior na história recente da humanidade, só encontra paralelo na gripe espanhola, que afetou o mundo no início do século XX, entre 1918 e 1920, e resultou em um número aproximado de quinhentos milhões de infectados (um quarto da população mundial à época) e cinquenta milhões de mortos. Em alguns meses, o coronavírus já contaminou aproximadamente três milhões de pessoas no mundo, e fez quase duzentas mil vítimas. O contágio e a letalidade desta doença são altíssimos, mesmo para os padrões da ciência e da medicina modernas.

Uma das medidas para “achatar a curva” de transmissão do vírus, que está sendo adotada na maioria dos países, é o isolamento social. Setores produtivos, de serviços e órgãos e instituições públicas estão interrompendo, mais ou menos, suas atividades por conta do contágio, fazendo com que trabalhadores e trabalhadoras fiquem em casa, evitando o contato e, assim, a exposição à infecção. Na não existência de uma vacina e imunização contra o coronavírus, o isolamento social se apresenta como melhor medida para evitar a proliferação do vírus. Alguns desdobramentos ficam evidentes dessas mudanças de comportamento:

De um lado, o isolamento resultou numa redução drástica na emissão de gases de efeito estufa em várias capitais do mundo. Centros que respondiam por uma parcela volumosa da produção desses gases tiveram de empregar uma série de ajustes para evitar a explosão do contágio pelo vírus, o que implicou numa redução de circulação de automóveis e da produção industrial massiva. Diante do grande dilema que o capitalismo enfrenta com a dimensão ecológica de sua crise estrutural, expressado principalmente pelo aquecimento global, o horizonte que se abre com a pandemia do coronavírus aponta para a possibilidade de formas distintas de organização da produção. Frente à crise e à pandemia, o capitalismo encontra um obstáculo à sua reprodução, e a humanidade vislumbra a oportunidade de deixar de trabalhar para atender às necessidades do capital e passar a satisfazer necessidades humanas, o que envolve não apenas produzir coisas, mas dedicar-se ao tempo livre e ao desenvolvimento artístico, intelectual e espiritual das pessoas.

Por outro lado, este obstáculo tende a ser contornado pelo capitalismo e pelos capitalistas da forma mais perversa possível: exigindo que a economia não pare, sob a justificativa de que as mortes “causadas pela fome” acabarão ofuscando aquelas causadas pelo vírus. Esta argumentação acaba por agudizar ao extremo a contradição de classes na sociedade capitalista pois, para manter a economia funcionando, exige-se – e isto é particularmente verdadeiro para o governo de Jair Bolsonaro – a exposição e o sacrifício de trabalhadores e trabalhadoras diante do coronavírus. Posicionando-se explicitamente na contramão daquilo que é necessário fazer para superar a pandemia, o governo Bolsonaro luta de todas formas ao seu alcance para dar uma sobrevida à economia capitalista, interessada exclusivamente na produção para concentração da riqueza em pouquíssimas mãos, em que as vidas humanas são apenas um meio para seu fim.

A pandemia de coronavírus atinge a sociedade de forma brutal, causando um número expressivo de mortes, mas também trazendo em si a potência de despertar em todos os cantos do mundo, entre os trabalhadores e trabalhadoras, a perspectiva de que um outro mundo é possível. Um mundo que coloque à frente, no topo da lista de prioridades a vida humana e não humana, a natureza e o trabalho, integrando novamente algo que não foi cindido pelo capitalismo, mas cuja cisão foi aprofundada por ele. Não é mais possível, diante da crise e da pandemia, que o Estado esteja voltado para atender aos interesses exclusivos do capital, negligenciando os interesses e as necessidades daqueles que produzem de fato a riqueza, que são os trabalhadores e trabalhadoras do mundo. É necessária a superação do Estado capitalista, tanto pelo bem da vida humana, evitando o contágio massivo e a morte de uma fração da população tão grande quanto foi durante a gripe espanhola, quanto pelo bem da vida não humana, atacando diretamente o grande problema climático construído pelo sistema capitalista: o aquecimento global. São necessárias, nesse momento, grandes transformações para que a humanidade possa sobreviver ao capitalismo, e o coronavírus tem mostrado que essas transformações são, além de necessárias, também possíveis.

Maicon Bravo
Setorial Ecossocialista PSOL-Pelotas


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